Recebimento: 06/02/2023 08:50:52 |
Fase: Emitir Parecer da Procuradoria sobre Projeto de Lei |
Setor:Procuradoria |
Envio: 01/03/2023 15:37:03 |
Ação: Parecer da Procuradoria Emitido
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Tempo gasto: 23 dias, 6 horas, 46 minutos
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Complemento da Ação:
PARECER DA PROCURADORIA
PROJETO DE LEI Nº 450/2023
“INSTITUI NO MUNICÍPIO DE LINHARES O PROGRAMA LINHARES ACOLHEDORA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE ORFANDADE DECORRENTE DE FEMINICÍDIO OU EM CASOS DA PERDA DE AMBOS OS GENITORES, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.
Projeto de Lei de iniciativa do Poder Legislativo Municipal, de autoria do vereador ALYSSON F. G. REIS, visando instituir no município de Linhares o PROGRAMA “LINHARES ACOLHEDORA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES”.
A competência privativa do Poder Executivo Municipal está inserida nos artigos 31 e 58, inciso XIII e seguintes da Lei Orgânica Municipal. (verbis)
“Art. 31 – A iniciativa das Leis cabe à Mesa, a Vereador ou Comissão da Câmara, ao Prefeito Municipal e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Art. 58 – Compete ao Prefeito Municipal, entre outras atribuições:
(...)
XIII - dispor sobre a organização e funcionamento da administração municipal;”
Preliminarmente, devemos ressaltar que há vício de iniciativa (formal e material) na presente proposição, pois o projeto de iniciativa do legislativo municipal invade a competência do Chefe do Poder Executivo.
No tocante ao alegado vício de iniciativa, verifica-se que o projeto de lei é inconstitucional por vício de origem, pois é de iniciativa privativa do Prefeito o projeto de lei que versa sobre a direção e a organização da Administração Pública Municipal, conforme artigo 31, c/c artigo 58, inciso XIII da Lei Orgânica do município de Linhares.
Assim, à luz do princípio da simetria, constata-se que o Projeto de Lei N° 450/2023 padece de inconstitucionalidade formal, eis que afronta a Constituição Estadual em seu artigo 63, parágrafo único, inciso III, que dispõe ser de competência privativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre organização administrativa do Poder Executivo, por afronta ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, bem como material, haja vista que impõe obrigações e gastos financeiros pelo Poder Legislativo ao Executivo, afrontando o Princípio da Separação dos Poderes.
Não obstante o município ter como função efetivar políticas públicas que visam prestar assistência social aos mais vulneráveis, a deflagração do processo legislativo que envolva a matéria (programa “Linhares acolhedora para crianças e adolescentes") que se pretende aprovar através da presente proposição, cabe ao chefe do executivo municipal.
Explico:
Da análise da presente proposição, entendo que o projeto de lei ora apresentado, que por iniciativa parlamentar pretende criar o Programa “Linhares acolhedora para crianças e adolescentes", está eivada de vício em seu aspecto formal subjetivo.
Por certo, ao propor o presente projeto de lei que institui o Programa Linhares Acolhedora, que disponibilizará assistência financeira condigna às crianças e adolescentes de Linhares que tenham ficado órfãos em decorrência de feminicídio ou em casos da perda de ambos os genitores, o Legislativo municipal acabaria por violar o princípio fundamental da separação dos poderes, interferindo no poder de controle, regulação e implementação de ações e políticas públicas da Administração Pública afeto ao Executivo.
Destarte, forçoso concluir que a proposição em questão padece de flagrante inconstitucionalidade por vício de iniciativa, violando-se os princípios da separação e independência dos poderes assegurados pela carta cidadã de 1988 (art.2° da CRFB/88).
A partir de análise perfunctória do projeto em tela, observa-se que ele busca instituir um programa social de natureza permanente, cuja materialização centralizará esforços no âmbito do Governo Municipal de Linhares, assim, o projeto de lei claramente implica interferência na administração municipal, além de representar aumento de despesas que surgirão com a sua implementação, sem a devida indicação da fonte de custeio. Impondo, por conseguinte, obrigações à Secretaria Municipal de Assistência Social que caberá a implantação, execução e a fiscalização do Programa Linhares Acolhedora, afrontando mais uma vez o Princípio da Separação dos Poderes.
Portanto, padece também de ilegalidade por violação da legislação orçamentária e de responsabilidade fiscal, na medida que impõe novas atribuições a órgão da Administração Municipal, criando novas despesas com inobservância das regras orçamentárias constitucionais.
Já a Emenda Constitucional 95/2016, por meio da nova redação do art. 113 do ADCT, estabeleceu requisito adicional para a validade formal de leis que criem despesa ou concedam benefícios fiscais, requisitos esse que, por expressar medida indispensável para o equilíbrio da atividade financeira do Estado, dirigi-se a todos os níveis federativos.
Trata-se de posicionamento adotado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, do qual, para ilustrar, trago à colação a ementa de recente acórdão assim disposto:
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE DE IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CRENÇA. ICMS. TRIBUTAÇÃO INDIRETA. GUERRA FISCAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL E ANÁLISE DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO. ART. 113 DO ADCT (REDAÇÃO DA EC 95/2016). EXTENSÃO A TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A imunidade de templos não afasta a incidência de tributos sobre operações em que as entidades imunes figurem como contribuintes de fato. Precedentes. 2. A norma estadual, ao pretender ampliar o alcance da imunidade prevista na Constituição, veiculou benefício fiscal em matéria de ICMS, providência que, embora não viole o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF – à luz do precedente da CORTE que afastou a caracterização de guerra fiscal nessa hipótese (ADI 3421, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/2010, DJ de 58/5/2010) –, exige a apresentação da estimativa de impacto orçamentário e financeiro no curso do processo legislativo para a sua aprovação. 3. A Emenda Constitucional 95/2016, por meio da nova redação do art. 113 do ADCT, estabeleceu requisito adicional para a validade formal de leis que criem despesa ou concedam benefícios fiscais, requisitos esse que, por expressar medida indispensável para o equilíbrio da atividade financeira do Estado, dirigi-se a todos os níveis federativos. 4. Medida cautelar confirmada e Ação Direta julgada procedente.
(ADI 5816, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-257 DIVULG 25-11-2019 PUBLIC 26-11-2019) (negritei e grifei).
Nesse diapasão, percebemos que o presente projeto impõe obrigações ao Poder Executivo que acabam por invadir a gestão das políticas públicas no âmbito municipal, como exemplo, podemos citar o artigo 10 da proposição.
De toda sorte, o projeto tem grande relevância social, sendo louvável sua iniciativa, porém a formulação da Política Municipal de assistencialismo, cabe única e exclusivamente ao Chefe do Executivo.
Sendo assim, a materialização da política pública sob análise cabe exclusivamente ao chefe do Poder Executivo Municipal, por se tratar de programa de governo, bem como o que se convencionou chamar nos meios jurídicos de “Reserva da Administração”. Ou seja, a proposição imiscui-se na chamada Reserva da Administração, que é corolário da separação dos poderes.
O célebre constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho, em seus ensinamentos sobre o tema em testilha, assim se manifestou sobre a Reserva da Administração: “consiste em “um núcleo funcional da administração ´resistente´ à lei, ou seja, um domínio reservado à administração contra as ingerências do parlamento” (Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, 7ª ed. p. 739).
Portanto, no exercício de sua competência e autonomia política cabe ao Legislativo Municipal legislar sobre matérias de sua competência, bem como a atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais, sem descurar-se de sua atribuição precípua de fiscalizar o Poder Executivo Municipal.
Essas são as considerações sobre os aspectos jurídicos/legais do presente projeto de lei.
A despeito de sua adequação à boa técnica legislativa de que trata as Leis Complementares nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, e nº 107, de 26 de abril de 2001, entendemos que há vício de iniciativa na propositura do presente projeto de lei pelos motivos acima delineados.
Tendo em vista o que preconiza o parágrafo único do art. 69 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Linhares, o presente Projeto de Lei deverá tramitar preliminarmente pela Comissão de Constituição e Justiça, bem como ter seu mérito analisado pelas Comissões de Educação, Cultura, Turismo, Esporte, Saúde, Assistência Social, Segurança, Obras e Meio Ambiente, uma vez que a matéria do presente projeto encontra-se dentro de suas competências previstas regimentalmente.
As deliberações do Plenário serão tomadas por MAIORIA SIMPLES, e o processo de votação será SIMBÓLICA, conforme estabelecem os artigos 136, § 1°, inciso I c/c o artigo 153, inciso I, todos do Regimento Interno da Câmara.
Assim a PROCURADORIA da Câmara Municipal de Linhares, após análise e apreciação do Projeto em destaque, é de PARECER CONTRÁRIO À APROVAÇÃO DO PRESENTE PROJETO DE LEI, por ser INCONSTITUCIONAL.
É o parecer, salvo melhor Juízo de Vossas Excelências.
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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