Recebimento: 09/07/2025 13:30:32 |
Fase: Emitir Parecer da Procuradoria sobre Projeto de Lei |
Setor:Procuradoria |
Envio: 30/07/2025 19:25:34 |
Ação: Parecer da Procuradoria Emitido
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Tempo gasto: 21 dias, 5 horas, 55 minutos
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Complemento da Ação: PROCURADORIA
PROJETO DE LEI Nº 112/2025
Processo nº 990110361/2025
PARECER
“PROJETO DE LEI – PL. OBRIGATORIEDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SALA OU LOCAL ADEQUADO PARA AMAMENTAÇÃO EM HOSPITAIS E MATERNIDADES PÚBLICOS E PRIVADOSNO MUNICÍPIO DE LINHARES/ES. VIABILIDADE.”
Pelo presente PL ficam os hospitais e maternidades públicos e privados localizados no Município de Linhares/ES obrigados a disponibilizar, em suas dependências, sala ou local reservado, adequado e humanizado, destinado à amamentação de forma transitória por mães lactantes.
Consta na justificativa que acompanha o PL que, ao proporcionar um espaço digno para esse fim, está sendo promovido o respeito à maternidade, à saúde da criança e ao acolhimento das famílias que utilizam os serviços de saúde em nossa cidade. Trata-se de uma medida simples, mas de grande impacto social, que reforça o compromisso do Legislativo com a humanização do atendimento à mulher e à primeira infância.
Pois bem.
Quanto aos aspectos jurídicos, vale registrar, inicialmente, que a proposta legislativa encontra respaldo constitucional, notadamente no art. 30, I e II, da CF/88, que prevê a competência do município para suplementar a legislação federal e estadual, bem como para legislar acerca do interesse local.
Além disso, o art. 24, XII, da CF/88, define competência concorrente para legislar sobre: “proteção e defesa da saúde.”
O objeto do Projeto de Lei – criação de espaços adequados para amamentação em estabelecimentos de saúde localizados em Linhares – insere-se de forma clara e inquestionável no âmbito da proteção e defesa da saúde, com reflexos diretos no interesse local.
A promoção do aleitamento materno é universalmente reconhecida como fundamental para a saúde materno-infantil, sendo incentivada por organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil. Ao exigir a criação de espaços adequados para amamentação em estabelecimentos de saúde situados em seu território, o Município de Linhares exerce sua competência para legislar sobre assunto de interesse local, visando à promoção da saúde pública, à humanização do atendimento e ao bem-estar da sua população.
Ademais, não há impedimento quanto à iniciativa do PL. Primeiro, porque não há previsão legal resguardando ao Chefe do Executivo a iniciativa acerca da matéria. Além disso, o PL não interfere na estrutura da Administração nem cria atribuições estranhas às competências já estabelecidas aos órgãos envolvidos.
Quanto ao mérito do PL, nota-se que a obrigatoriedade que está sendo criada se estende tanto a instituições públicas quanto privadas.
Em relação aos hospitais e maternidades públicas, a obrigatoriedade de disponibilização de salas de amamentação, embora possa, de fato, gerar custos para os hospitais públicos municipais (adequação de espaços, aquisição de mobiliário, manutenção), não versa sobre a criação, extinção ou aumento de cargos, funções ou empregos públicos, nem sobre a estrutura administrativa do Poder Executivo ou o regime jurídico de seus servidores.
A despesa gerada para o Executivo municipal, no que tange aos hospitais públicos, é uma consequência indireta e natural da adequação a uma norma de interesse público, e não o objeto principal ou direto da lei.
No ponto, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento consolidado de que vereadores podem propor projetos de lei que resultem em despesas para o Executivo, desde que não interfiram nas atribuições privativas do Prefeito, como a organização administrativa e a criação de cargos públicos. Portanto, o PL se mostra regular.
No que toca às instituições privadas, a Constituição Federal assegura a livre iniciativa e a livre concorrência como princípios fundamentais da ordem econômica (Art. 170, caput e incisos IV e V). Contudo, é cediço que tais princípios não são absolutos e podem ser relativizados em face do interesse público e da função social da propriedade e da empresa.
No presente caso, a exigência de salas de amamentação em hospitais e maternidades privados visa à proteção da saúde materno-infantil, à promoção do aleitamento materno e à humanização do atendimento, que são bens jurídicos de relevantíssimo interesse público e constitucionalmente protegidos (Art. 196, CF – direito à saúde como dever do Estado). Embora a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada (Art. 199, CF), esta pode ser regulamentada e fiscalizada pelo Estado, principalmente quando se trata de proteção de direitos fundamentais.
A imposição da obrigatoriedade aos estabelecimentos privados, portanto, não extrapola a atuação do poder público na ordem econômica e financeira. Trata-se de um legítimo exercício do poder de polícia do Município em prol do interesse público relevante, pautado pela razoabilidade e proporcionalidade.
Passados esses pontos, deve ser dada uma atenção especial ao art. 4º do Projeto de Lei em exame.
Este é, sem dúvida, o ponto mais crítico e de maior fragilidade jurídica do Projeto de Lei em sua redação atual.
O Art. 4º do PL estabelece: "O descumprimento desta Lei sujeitará o estabelecimento privado às penalidades previstas em regulamento próprio do Município."
Há dois problemas relacionados a este dispositivo.
Primeiro, a redação do Art. 4º viola o Princípio da Legalidade. Tanto a infração quanto a sanção devem estar previstas em lei.
Embora o regulamento possa detalhar a aplicação das penalidades, fixar valores de multas dentro de um teto legal, e estabelecer critérios procedimentais, ele não pode criar ou inovar no mundo jurídico. A delegação completa para o regulamento definir as penalidades é considerada inconstitucional por afronta direta ao princípio da legalidade.
Portanto, o art. 4º, em sua redação atual, é irregular e inconstitucional por violar o princípio da legalidade no que tange à ausência de previsão de penalidades. É imprescindível que a lei estabeleça, ao menos em tipo ou gênero, as sanções aplicáveis.
Segundo, o dispositivo prevê a aplicação de penalidade apenas para as instituições privadas. Ora, se a lei impõe uma obrigação a "hospitais e maternidades públicos e privados", é fundamental que as consequências do descumprimento também abranjam ambos, em nome da isonomia e coerência normativa.
Certo é que as penalidades para órgãos públicos se manifestam de forma diferente (por exemplo, pode ser previsto responsabilização dos agentes públicos, medidas administrativas internas, dentre outras), mas a lei deve prever que o estabelecimento público também está sujeito às consequências do descumprimento.
Diante disso, recomenda-se a alteração do art. 4º, a fim de preservar a total constitucionalidade do PL.
Quanto à técnica legislativa, verifica-se que o PL atende ao estabelecido na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, a qual dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, estando os dispositivos bem articulados a corretamente padronizados.
Ademais, a redação do Projeto de Lei que se pretende aprovar é suficientemente clara e de fácil compreensão.
Destarte, a PROCURADORIA da Câmara Municipal de Linhares, após análise e apreciação do Projeto em destaque, OPINA pela VIABILIDADE do PL, CONDICIONADA à alteração do art. 4º, a fim de a lei estabeleça as sanções aplicáveis e que sua abrangência inclua expressamente os estabelecimentos públicos e privados.
Por fim, as deliberações do Plenário no que tange ao projeto de lei em questão deverão ser por MAIORIA SIMPLES dos membros da Câmara, e quanto à votação, esta deverá ser SIMBÓLICA, tendo em vista que o Regimento Interno da Câmara Municipal não exige quórum especial nem processo de votação diferenciado para aprovação da matéria em questão.
Em tempo, na forma prevista pelo parágrafo único do art. 69 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Linhares, o presente Projeto de Lei deverá tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça, bem como pela Comissão de Finanças, Economia, Orçamento e Fiscalização, para se manifestar sobre os possíveis gastos indiretos que podem advir do cumprimento da obrigatoriedade.
O PL deverá ter seu mérito analisado, igualmente, pela Comissão de Educação, Cultura, Turismo, Esporte, Saúde, Assistência Social, Segurança, Obras e Meio Ambiente, em razão de sua atribuição regimental para se manifestar sobre as matérias relacionadas à saúde, alimentação e nutrição.
Além disso, é importante, também, que o PL seja analisado pela Comissão de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher, do Negro, da Pessoa Idosa, da Criança e do Adolescente, da Pessoa com Deficiência, da Família, e dos Direitos Humanos, em razão da clara relação da matéria com suas competências regimentais.
É o parecer, salvo melhor Juízo de Vossas Excelências.
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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