Recebimento: 10/02/2025 13:40:39 |
Fase: Emitir Parecer da Procuradoria sobre Projeto de Lei |
Setor:Procuradoria |
Envio: 12/02/2025 16:36:24 |
Ação: Parecer da Procuradoria Emitido
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Tempo gasto: 2 dias, 2 horas, 55 minutos
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Complemento da Ação: PROCURADORIA
PROJETO DE LEI Nº 13/2025
Processo nº 1013/2025
PARECER
“PROJETO DE LEI - PL. INSTITUI O PROGRAMA SERVIDOR AMIGO DO AUTISTA PARA O DESENVOLVIMENTO E CAPACITAÇÃO TÉCNICA GRATUITA A TODOS OS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE LINHARES/ES. INVIABILIDADE.”
Pelo Projeto de Lei em análise pretende-se instituir o Programa Servidor Amigo do autista para o desenvolvimento e capacitação técnica gratuita a todos os servidores públicos do município de Linhares/ES.
Em resumo, o programa pretende entregar ao servidor diretrizes para que sejam capazes de identificar as pessoas diagnosticadas com TEA viabilizando o atendimento de acordo com as necessidades especiais e interagindo com autistas mediante a utilização de técnicas aplicadas.
Inicialmente, quanto aos aspectos jurídicos, em que pese o Projeto de Lei trazer à lume matéria de enorme relevância, deve-se registrar que a sua propositura apresenta de alguns vícios, os quais acabam inviabilizando sua tramitação.
Primeiro, o art. 6º, ao estabelecer o caráter obrigatório de participação no programa a todos os servidores municipais, inclusive com contagem de pontuação na carreira evolutiva, acaba adentrando no tratamento acerca do regime jurídico do servidor público municipal.
Em breves palavras, regime jurídico é o conjunto de princípios e regras referentes a direitos, deveres e demais normas de conduta que regem a relação jurídico/funcional entre o servidor e o Poder Público.
Nesse contexto, registre-se que somente o Prefeito pode iniciar um PL tratando acerca do regime jurídico do servidor público municipal. Isso se dá devido à regra de reprodução obrigatória prevista na Constituição Federal, notadamente em seu art. 61, § 1º, II, “c”.
Note a redação do inc. III, parágrafo único, do art. 31 da Lei Orgânica do município de Linhares/ES:
Art. 31. A iniciativa das leis cabe à Mesa, a Vereador ou Comissão de Câmara, ao Prefeito Municipal e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo único. São de iniciativa privativa do Prefeito Municipal, as leis que disponham sobre:
III - servidores públicos do Município, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.
A título de exemplo, colaciona-se o entendimento jurisprudencial sobre o tema:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LEI 751/03, DO ESTADO DE AMAPÁ. ALTERAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DE CIRURGIÕES-DENTISTAS. REGIME JURÍDICO FUNCIONAL. MATÉRIA SUJEITA A RESERVA DE INICIATIVA LEGISLATIVA. NORMAS DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA AOS ESTADOS-MEMBROS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI DECORRENTE DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO IMPASSÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELA SANÇÃO DO PROJETO. 1. Ao alterar a jornada de trabalho de categorias específicas, a Lei 751/03, de iniciativa parlamentar, cuidou do regime jurídico de servidores estaduais, e, com isso, incursionou indevidamente em domínio temático cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, II, § 1º, “c”, da CF. Precedentes. 2. O sancionamento tácito do Governador do Estado do Amapá em exercício ao projeto que resultou na Lei estadual 751/03 não tem o condão de convalidar o vício de iniciativa originário. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, nesta parte, julgada procedente. (ADI 3627, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 27-11-2014 PUBLIC 28-11-2014)
Inclusive, o art. 4º do PL segue na mesma toada, ao dar um tratamento diferenciado à Guarda Civil Municipal – GCM, estabelecendo que o programa desenvolverá procedimentos e técnicas específicas para atuação desses servidores nos casos que envolvem cidadãos diagnosticados com a TEA e necessitam de procedimento específico na abordagem de acordo com suas necessidades especiais.
Segundo, o art. 8º do PL estabelece o prazo de 90 dias para que o Poder Executivo Municipal promova a regulamentação da lei.
É pacífico o entendimento acerca da impossibilidade de fixação de prazo para que o Chefe do Executivo regulamente uma lei de iniciativa do Poder Legislativo.
Nesse sentido, vejamos a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4727/DF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 1.600/2011 DO ESTADO DO AMAPÁ. PROGRAMA BOLSA ALUGUEL. VÍCIO DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO BENEFÍCIO AO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA REGULAMENTAÇÃO DA LEI PELO PODER EXECUTIVO. INVIABILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. A Lei amapaense, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata de estruturação ou atribuição de órgãos, tampouco de regime jurídico de servidores, mas tão somente determina que seja pago o auxílio aluguel, pelo Poder Público, nas situações nela contempladas, em caráter emergencial e assistencial, aplicando-se com exatidão a Tese 917 da Repercussão Geral à norma em exame. 2. A norma impugnada não incide na proibição constitucional de indexação ao salário mínimo, tendo em vista que (i) não é fixado valor, mas limite máximo do benefício; e (ii) inexiste inconstitucionalidade em qualquer vinculação a salários mínimos, mas apenas em relação a reajuste automático de salários de servidores. 3. A Constituição, ao estabelecer as competências de cada um dos Poderes constituídos, atribuiu ao Chefe do Poder Executivo a função de chefe de governo e de direção superior da Administração Pública (CF, art. 84, II), o que significa, ao fim e ao cabo, a definição, por meio de critérios de conveniência e oportunidade, de metas e modos de execução dos objetivos legalmente traçados e em observância às limitações financeiras do Estado. Por esse motivo, a tentativa do Poder Legislativo de impor prazo ao Poder Executivo quanto ao dever regulamentar que lhe é originalmente atribuído pelo texto constitucional sem qualquer restrição temporal, viola o art. 2º da Constituição. 4. Procedência em parte do pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “no prazo de 90 (noventa) dias”, contida no art. 8º da Lei 1.600, de 28 de dezembro de 2011, do Estado do Amapá. ADI 4727 / DF - DISTRITO FEDERAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. EDSON FACHIN Redator(a) do acórdão: Min. GILMAR MENDES Julgamento: 23/02/2023 Publicação: 28/04/2023 Órgão julgador: Tribunal Pleno.
Constata-se, portanto, na análise trazida até aqui, um claro ferimento ao princípio da separação dos poderes.
Frise-se: não se admite que um Poder se sobressaia ao outro, avocando para si competência de iniciativa de lei que não lhe foi previsto pelo ordenamento jurídico, sob pena de jogar por terra a constitucional e necessária separação dos Poderes.
Terceiro, o PL não é específico quanto à forma da capacitação e treinamento dos servidores, impossibilitando o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, em especial os artigos 16 e 17, que exigem que atos governamentais que gerem aumento de despesa devem ser acompanhados de cálculo do impacto orçamentário.
A capacitação será realizada por meio de curso, com qual carga horária, ou por palestras? Ou ainda, o treinamento é para todos os servidores do município ou somente para os que possuem atribuições voltadas ao atendimento especializado às pessoas com o Transtorno do Espectro Autista – TEA (conforme art. 1º do PL)?
Sem a clareza dessas informações, impossível o cumprimento da LRF, inviabilizando, por mais uma razão, a tramitação do PL.
Diante disso, não pode prosperar o PL em questão diante dos vícios apresentados.
Quanto à técnica legislativa, a meu ver é desnecessário o parágrafo único do art. 1º, pois a justificativa apresentada pode constar tão somente na exposição de motivos que acompanha o PL.
Ademais, os espaçamentos dos artigos e incisos não estão seguindo a normatização oficial.
A título de sugestão, nada impede que o nobre Edil, autor do PL, encaminhe a proposta com as devidas justificativas ao Prefeito Municipal, para que ele, caso entenda válido, implemente a medida no âmbito municipal.
Destarte, a PROCURADORIA da Câmara Municipal de Linhares, após análise e apreciação do Projeto em destaque, é de PARECER CONTRÁRIO ao prosseguimento do Projeto de Lei em análise.
Por fim, caso as Comissões Permanentes dessa Casa de Leis adotem posicionamento contrário ao exarado neste Parecer, para aprovação do PL, importante mencionar que as deliberações do Plenário deverão ser tomadas por MAORIA SIMPLES e deverá ser adotado o processo SIMBÓLICO de votação, haja vista que o Regimento Interno não exige quórum especial nem processo diferenciado de votação para aprovação da matéria em questão.
Em tempo, na forma prevista pelo parágrafo único do art. 69 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Linhares, o presente Projeto de Lei deverá tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça, bem como ter seu mérito analisado pela Comissão de Finanças, Economia, Orçamento e Fiscalização, em razão dos possíveis gastos que poderão advir com a implementação do PL.
Deverá tramitar, igualmente, pela Comissão de Educação, Cultura, Turismo, Esporte, Saúde, Assistência Social, Segurança, Obras e Meio Ambiente, uma vez que o PL disciplina matéria relacionada à cidadania.
E, ainda, o PL deve ter seu mérito analisado pela Comissão de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher, do Negro, da Pessoa Idosa, da Criança e do Adolescente, da Pessoa com Deficiência, da Família, e dos Direitos Humanos, haja vista sua atribuição para tratar de assuntos com pessoa com deficiência.
É o parecer, salvo melhor Juízo de Vossas Excelências.
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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